eu sei bem onde começou. meu primeiro coração palpitante, minhas mãos suando e a respiração trêmula. eu não sabia o que era na época, e demorou pra eu descobrir. hoje eu sei, sei bem. ainda me atinge diariamente, em cada momento súbito e inapropriado. o mal da ansiedade me encontrou cedo, nunca me deixou desde então. é como um lobo, quando te encontra em sua floresta mental na primeira vez, nunca mais deixa de correr atrás de você.
eu deveria ter uns 5/6 anos. estava na casa da minha avó, no andar de cima. tinha uma varanda que dava de frente a uma casa baixa, onde a confusão toda aconteceu. do vizinho da frente, uma gritaria começou. parecia um menino mais novinho implorando para não ser espancado. o padrasto do menino o intimidava, o colocava contra a parede e levantava o cinto na direção dele. minha mãe, que tem a visão de uma águia e a audição de um morcego (sabiam disso? o morcego está em primeiro lugar na lista de mamíferos com audição mais apurada), se meteu na situação. do andar de cima da casa da minha avó, ela começou a gritar com o homem, dizendo coisas bem feias a ele. a confusão se instalou, com ambos defendendo sua causa.
não lembro bem o que me causou pânico naquele momento. eu já tinha visto minha mãe ou meu pai em situações similares antes — como questionando uma conta errada no restaurante ou brigando com alguém que foi idiota no trânsito. ou seja, eu já deveria estar mais que batizada contra as loucuras diárias que o mundo nos proporciona. toda a bagunça e as confusões repentinas. então não sei o que aconteceu naquele instante, porque entrei em pânico. comecei a chorar, com muito medo. medo por mim e por minha mãe. lembro de ter sentido o que constantemente sinto por minha mãe quando algo parecido acontece: raiva e frustração. por que ela não podia deixar aquele assunto pra lá? por que ela tinha que se meter? por que tinha que se colocar em uma situação de risco?
hoje, recordando toda a situação, sei que ela estava certa. ela me dá orgulho, defender uma criança que provavelmente ninguém jamais defendeu. contudo, isso não significa que atualmente eu me sentiria menos desesperada caso a mesma situação se repetisse. com o passar dos anos, aquela ansiedade se instalou dentro de mim e só cresceu ainda mais. eu comecei a ter pavor de qualquer mínimo sinal de descontentamento por parte da minha família em público. meus pais são advogados, o que… bom, vocês já devem imaginar, certo? (direito isso e direito aquilo). não posso julgá-los, quer dizer, se eu tivesse passado em duas provas com textos imensos depois de ter lido livros que pareciam toras de madeira, eu também me sentiria na obrigação de lembrar todo mundo ao meu redor que sou advogada e conheço os meus direitos!!!
só que, nesse caso, para uma garota que aprendeu a ter medo de tudo ao seu redor, esses fatores pareceram correr todos contra mim. vim de uma família de pais que deveriam estar divorciados mas nunca realmente se separaram, o que significava que eu estava bem dotada dentro de casa, mas fora eu me sentia como uma ratinha com medo da própria sombra. com meus pais eu sabia lidar, eu os conhecia. não eram perigosos nem maldosos. mas o mundo lá fora é, e as pessoas que o compõem são piores ainda.
as pessoas são assustadoras. vi um vídeo de um cara que atirou no vizinho em meio a uma discussão. sem mais nem menos. em um momento, a vítima estava lá, e no outro momento, não estava mais. simples assim. sabe aqueles vídeos que vemos de adultos brigando na rua e, posteriormente, caem na porrada? muita gente curte esses vídeos, acha engraçado, até julga a briga. eu? eu odeio. eu imagino alguém que amo no meio da situação e entro em combustão, em um grave pânico interno. se houver uma situação com sinônimo de confusão, acreditem, eu já estou no canto da parede com as mãos tremendo e pronta pra sair correndo dali, mais rápido que o usain bolt.
houveram duas situações em específico, e recentes, que provaram minha instabilidade mental como adulta. na primeira situação, minha família e meu cachorrinho estavam nessa pousada. já estávamos todos devidamente alocados em nossos quartos quando a dona do lugar avisou que nosso cachorro teria uma taxa a mais de pagamento, o que era bem comum em muitos lugares, porém algo não citado nas descrições do local no booking.com. minha mãe teria pago a taxa tranquilamente, se o valor não tivesse praticamente o mesmo preço que uma diária a mais. e vocês sabem, diárias em geral não são baratas. minha mãe decidiu cancelar tudo com a mulher e pediu o dinheiro que já havia deixado pago de volta, no que a mulher respondeu que devolveria em breve. péssima escolha. pra mim, a confusão que começou foi a pior que tive que presenciar. minha mãe estava gritando com os donos da pousada, a dona da pousada gritava com minha mãe, e eu estava no meio das duas. agindo feito uma adulta? não, mas como uma criancinha chorando e tremendo desesperadamente, me metendo no meio daquelas mulheres.
eu estava muito irritada por dentro. por que a gente só não podia ir embora? estávamos na propriedade daquela mulher, e se ela voltasse com uma arma e apontasse pra nós? e se minha mãe se tornasse uma daquelas pessoas que são mortas e aparecem em vídeos do twitter? minha mãe é a primeira a dizer que as pessoas são instáveis e não devemos mexer com elas, mas também é a primeira a se colocar em uma posição de risco. eu sei, pra muitos aqui, lendo isso, talvez não tenha sido tão grave assim. foi só uma besteira, não ia acabar em tragédia. mas não é assim que funciona na minha cabeça.
o meu cérebro pode confundir facilmente situações de normalidade cotidiana com ocorrências de perigo. não sei decifrar o que é normal e o que é arriscado. se você estiver ao meu lado e questionar um garçom por um pedido errado, já estarei me corroendo por dentro, imaginando todo tipo de coisa.
eu sei, isso o que estou falando aqui não tem nada a ver com a garota que já mandou o léo lins tomar no cu, ou falou mal dos estadunidenses sem dó nem piedade. mas é como se aqui, no meu mundinho de palavras, eu pudesse ser exatamente quem eu gostaria de ser na vida real: alguém que sabe lidar com situações de estresse, que bate os pés no chão e defende o que ou quem precisa ser defendido. eu queria ser mais forte, queria ser mais valente.
mas eu não consigo, porque vivo com esse medo dentro de mim.
— com muito amor, heleninha (abaixo, um pouco mais de efêmero)
E quando não se tem nem dinheiro e nem juventude? 😃
somos criaturas parecidas. somos adultas com corações de criancinhas assustadas. não conseguimos agir no meio de confusões e depois nos martirizamos por isso. tua dor é sentida por mim. acho que faz sentido nos manter longe de confusões. manter distância é sempre uma escapatória para mim. me calar e seguir em frente. errado? provavelmente sim.